A psicóloga familiar Svetlana Merkulova acredita que até mesmo uma frase sem importância, mas dita sem pensar, pode afetar a saúde mental de uma criança. Por isso, na hora de comunicar-se com seu filho é necessário escolher cuidadosamente as palavras. Tem coisas que não vale a pena falar.
“Quando eu tinha a sua idade, ia muito bem na escola!“
Do nascimento aos 6 anos, papai e mamãe são deuses para o filho, sabem de tudo e podem tudo. A frase acima pode ser interpretada como se o pai estivesse competindo com o filho. É como se dissesse: ”Você nunca será como eu, não importa o quanto tente. Sou melhor do que você!“. Crianças que crescem num ambiente assim geralmente vivem querendo mostrar à sua família que são bons. E, claro, dizer essas coisas estimula a parte narcisista da mente da criança. Isso a faz tentar alcançar certas metas, mas até aí nada fora do normal. O problema é que no fim ela não estará fazendo isso para si, mas para agradar mamãe e papai, com o propósito de lhes mostrar que finalmente é digna deles. Quando adultas, não serão capazes de se satisfazer com suas conquistas e a alegria só aparecerá se os pais reconhecerem seus êxitos, o que será muito pouco provável.
“Meu xodozinho, meu pituquinho, meu quiquinho… ”
De quantas coisas os pais amorosos chamam seus filhos? Mesmo que a intenção não seja má, todos esses apelidos despersonificam o filho. É como se ele não existisse e, em seu lugar, houvesse um animalzinho ou brinquedo com o qual se pode fazer o que quiser. Durante os primeiros anos de vida, seu filho aceitará incondicionalmente toda e qualquer coisa que você disser, simplesmente porque confia em você. O nome de uma pessoa é sua representação diante do mundo. Em algumas famílias ocorre que o nome da criança vai se modificando com o tempo e acaba dando lugar a certos apelidos ’simpáticos’. O nome deve estar sempre em primeiro plano pois é ele que nos permite sentir que somos seres completos com identidade própria. Se você o tempo todo chama seu filho ou filha de xodozinho, chiquitinho, pituquinho, estará tirando dele um pedaço do seu ’eu’.
”A Laura tirou 10 na prova, mas você tirou só 8“
A maioria dos pais faz tudo com a melhor das intenções. Talvez eles mesmos tenham tido uma experiência similar na infância e, por isso mesmo, pensam que não há problema em dizer isso, já que foi dito a eles também e não os afetou. Acontece que, como sua infância já foi há muito tempo, eles conseguiram ’esquecer’ a dor de quando papai e mamãe lhes rejeitou, dizendo: ”Aquela criança é melhor do que você!“. Suportar algo assim na verdade causa muita dor, que por vezes acompanha as crianças até a vida adulta (além de gerar um ódio imediato pela tal de ’Laura’). A criança sempre se sente mal quando a comparam com algum coleguinha da escola, ou com seu irmão ou irmã, e ao crescer, ela continuará se comparando com os outros, nunca a seu favor.
“Já que você é mal comportado, não te amo mais!”
Ou melhor dizendo: “Só vou te amar se você fizer o que eu disser!“. Depois de uma frase dessas a criança começa a se esforçar o mais que pode para agir ’corretamente’ e acaba deixando de lado até suas necessidades e desejos. Ela desenvolve então um tipo de ’antena’ que detecta a vontade dos pais e, no fim, a criança como tal deixa de existir. Chegando à vida adulta ela tratará de satistazer os outros, inconscientemente vivendo sob o princípio de: ”Quero que me amem e para tanto devo ser agradável e satisfazer. Ao invés de dar ouvidos aos meus próprios desejos buscarei satisfazer os dos outros”.
“Não me envergonhe na frente dos outros!”
Isso é o mesmo que dizer à criança: “Vá em frente, me envergonhe!“. Crianças que ouvem esse tipo de frase frequentemente vão querer que as pessoas vejam quem elas são de verdade, mas, curiosamente, quando finalmente recebem tal atenção, não sabem o que fazer com ela: se escondem, se fecham, desaparecem. É como se elas não tivessem outra opção, senão ser a vergonha de alguém. ”Você me envergonha“ são três palavras-chave para traumatizar o seu filho.
“Você é igual a seu pai!”
Quando dita como comparação para características de que não gostamos, essa frase reflete uma crise entre pai e mãe. Se não conseguem resolver seus problemas diretamente, ele enviam mensagens um ao outro por meio do filho, dizendo-lhe alguma besteira. Se a mãe diz ”Você é tão teimoso quanto seu pai!“, significa que o pai é uma pessoa má e que não se pode entrar em acordo com ele. Quando problemas conjugais se projetam sobre a criança, ela certamente os viverá também. Pais separados costumam se valer desse tipo de manipulação quando há uma competição pela criança, que acaba tendo de escolher com quem viver ou passar o tempo. E isso traumatiza.
”Se você não tomar essa sopa, vai ficar burro e fraco!”
Tive uma conhecida a quem foi dito na infância: “Se você não comer esse pão, ele vai correr atrás de você de noite!”. Ainda que pareça engraçado, ela tinha medo do pão. Ou seja, seus pais conseguiram exatamente o contrário do que queriam. Frases como essa são pura manipulação e com muita frequência são usadas por avôs e avós que passaram fome na infância; é como transmitir um trauma de geração em geração.
“Se você se comportar mal, vou chamar o bicho papão!“
Dizer isso dá a entender ao seu filho que ele não deve ser ele mesmo, mas sim alguém que se ajuste por completo a expectativas que em muitos casos são irrealizáveis. E não é só isso. Mostra que seus pais não são confiáveis. Imagine que quem deveria protegê-lo pode entrega-lo a uma criatura desconhecida e horrível. Na idade adulta, essas crianças acharão difícil confiar nos outros, não saberão o que querem da vida e a passarão o tempo tentando agradar todo mundo.
”Você vai ver só quando chegarmos em casa!”
Essa dá a entender que os pais têm direito fazer “o que vier na telha” com seu filho ou filha sem importar o que ele ou ela sinta. Num piscar de olhos um pai amoroso se transforma num carcereiro que pode castigar ou perdoar. A criança que ouve com frequência esse tipo de frase costuma ter dificuldade de se relacionar com seus chefes na vida adulta, já que a figura de chefe coincide afinal com a de progenitor, e assim, ela agora adulta terá medo de seus superiores e tentará satisfazê-lo de todo jeito para evitar ser castigada. Geralmente, chefes percebem isso rapidamente e se aproveitam.
“Sai daqui! Não quero te ver, nem te ouvir!“
Tradução: ”Você arruinou a minha vida, suma daqui! Você nem deveria existir!”. Como consequência, a criança viverá com um profundo sentimento de culpa ante seus pais por haver ’arruinado’ a vida deles. Se sentirá constantemente rejeitada pelos demais.
Devemos ser muito cuidadosos com esse tipo de frase, pois os filhos podem carregar o peso delas por toda a vida! Por isso, antes de antes de dizer qualquer coisa a seu filho, pense bem. Poucos adultos são conscientes do que dizem. Experimente gravar o que você diz enquanto está em companhia de seus filhos, depois ouça e preste atenção nas palavras. Tenho certeza de que com isso você vai descobrir muitas coisas, algumas das quais podem ser um pouco desagradáveis.
Autora: Svetlana Merkulova
Foto de capa: Igor
Tradução e adaptação: incrivel.club